Sem mas

06-08-2023

Dom Queixote,
Um moinho de vento a moer a palavra "mas"...


Já ouvimos dizer vezes sem conta que para que a democracia funcione é necessário que o povo expresse livremente a sua vontade. Para além dessa necessidade, é imprescindível que o povo tenha opinião. Mas há algo fatal se essa opinião não for determinada e se, na sua base, não estiver plasmado aquilo em que verdadeiramente cada um acredita. Nesse caso a "opinião" não passa de um pensamento avulso, desorientado e à deriva!

Para ser verdadeiramente opinião, é fundamental que essa ideia se revista de sentido crítico, de alguma lógica, que apresente princípios e que, desejavelmente, colabore no sentido de encontrar o justo e o correto, diferenciando o certo do errado. O que está certo está certo. O que está errado está errado. E se é verdade, que através dos nevoeiros de alguns exercícios de retórica se consiga aparentemente esbater esta clivagem, fazendo parecer que conseguir essa diferenciação é algo de complicado, também não é menos verdade que em cada um de nós existe claramente o "sentido de justiça" e que fazer essa destrinça é algo muito simples. Uma criança com meia dúzia de anos não hesita na identificação do certo e do errado, realizando facilmente o seu juízo.

Contudo, muitas vezes permitimos que esse intrínseco "sentido de justiça" seja desviado, bloqueado… até por coisas minúsculas! Um exemplo claríssimo disso é uma pequenina palavra: "mas".
Senão, vejamos como um "mas" pode fazer a diferença.

"Isso é verdade, mas…", "está mal, mas foi sempre assim!", "está errado, mas ao menos…"

Com este tipo de argumentos facilmente permitimos que continue o que não nos serve, o que sabemos ser pernicioso, permitindo a validação do errado com a complacência do "mas".

Como podemos ser um país melhor a nível social, económico, cultural, se permitimos que os notórios erros feitos no passado continuem a existir? Estamos cristalizados, congelados no erro pela simples palavra "mas".

"É verdade que o povo foi enganado, mas se fosse outro faria o mesmo!".
Se o povo foi enganado, não devia ter acontecido, muito menos podemos permitir que "outro" continue com o mesmo comportamento prejudicial, deixando a ética e a moral esmagadas pelos brandos costumes, só porque aceitamos a palavra "mas".

"Isso está mal, mas foi sempre assim".
Foi sempre assim e continuará a ser enquanto não retirarmos o "mas" da frase. Se está mal, é para retificar, urgentemente…

"O que este autarca fez está errado, mas ao menos mostrou obra feita!".
O que está errado está errado, ponto! Consentir este "mas" é deixar a sociedade lançada no marasmo, dando aos atores políticos a facilidade de utilizarem o ardil de uma redoma de imunidade, reclamada pela vontade popular explicitada nos atos eleitorais.

Com a palavra "mas" nos nossos exercícios de opinião, deixamos tudo irremediavelmente na mesma. É necessário ter e fazer valer o nosso espírito crítico e o nosso sentido de justiça.

Para haver verdadeiramente democracia, é necessário ter a coragem de assumir que a participação ativa de cada um é imprescindível para a alteração do status quo, e que essa responsabilidade não é mais do que a soma da participação de todos.

Podemos continuar a mastigar o passado… Poder podemos, Mas Eu Não Faria Isso.


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