O poder de um sorriso
Dom Queixote,
"É… Mas habituem-se! E embora não me tenha habituado, confesso que estava bastante resignado a este fado do marasmo português. Mas, pasme o leitor, hoje isso mudou, e em segundos!"
Todos os dias, quando saio de manhã e encontro alguém no elevador, ou quando atendo o telemóvel, ou pior, quando ligo a televisão, frequentemente perco a vontade de sorrir. Sem que disso me aperceba, a minha expressão facial fecha-se como reflexo do semblante matinal do vizinho, da voz de quem me liga ou impressionado pelo choque provocado por uma imagem televisiva.
Na realidade, no desenrolar do nosso quotidiano, temos alguma dificuldade em encontrar um motivo para sorrir. A maior parte das nossas vivências diárias está naturalmente rodeada de coisas menos positivas que nos levam a ficar tristes ou, pelo menos apreensivos… E, neste momento, a política (ou politiquice!) é uma dessas coisas!
Quando um eleitor vota, fá-lo porque acredita nas promessas que são feitas pelos partidos políticos durante as campanhas eleitorais. Vota, porque acredita na democracia, na pluralidade de ideias, esperando legitimamente que quem está na política seja gente de boa-vontade, pronta para servir o país dando o melhor de si. Mas é inexoravelmente aí que perdemos a vontade de sorrir.
Basicamente cerramos o semblante quando as coisas não vão bem. E não vão bem quando nos apercebemos que aquilo que nos é cobrado pelo o esforço do nosso trabalho, dos nossos investimentos, o imposto que temos que entregar ao estado nas imprescindíveis compras que fazemos para comer ou vestir, são esbanjados em negócios e negociatas interpartidárias, sem orientação, sem planeamento e sem outro objetivo que não seja o benefício pessoal e os interesses de quem está no poder.
Já lá vão os tempos em que os valores da ética, da moral, do solidário, do correto, faziam de suporte a quem estava colocado em lugares decisores! Hoje, nada disso releva e, o mais grave, é que nem a dignidade pessoal é tida em conta, pois há sempre uma escapatória legal para cobrir os descaramentos de quem mente quando jura que cumprirá com lealdade as funções que lhe são confiadas.
É, assim ficamos tristes e sem saber em que acreditar. Não vemos futuro nem possibilidade mudança! Tudo parece estar irremediavelmente cristalizado e nem as justas e intermináveis greves sensibilizam o poder, menos ainda as maiorias absolutas. Estamos a perder os professores, os médicos, os enfermeiros, o SNS, os jovens para a emigração… E o argumento é sempre o mesmo: não há dinheiro! Como não há dinheiro se nós o pagamos (e adiantado!)?
É… Mas habituem-se! E embora não me tenha habituado, confesso que estava bastante resignado a este fado do marasmo português. Mas, pasme o leitor, hoje isso mudou, e em segundos!
Não, não encontrei finalmente um médico de família para mim, nem especialistas que mantenham as maternidades abertas, também não encontrei uma calorosa fonte de bom senso que consiga descongelar a guerra que os professores travam há uma eternidade, nem sequer descobri um "politígrafo" que ponha a nu as mentiras, a má gestão e a falta de pudor dos políticos… Mas descobri que o que está mal pode melhorar… Como? Eu explico!
Hoje, muito cedo, ainda de madrugada, na minha caminhada diária, subia ao Bom-Jesus do Monte quando avistei uma muito jovem rapariga que fazia o mesmo, mas em sentido contrário. Não a conhecia, nunca a tinha visto por ali, nem ela a mim. No momento em que passamos um pelo outro cumprimentei-a e disse "bom dia"; ela nem uma palavra. Mas esboçou demoradamente um sorriso, seguro, limpo, acreditante. Algo estranhamente novo, simples, e que me fez perceber imediatamente que afinal não estará tudo perdido, nem a fatalidade é a predestinação do nosso país.
Para que as coisas mudem talvez tenhamos somente que acreditar! Ao invés de ficarmos à espera que miraculosamente os nossos governantes tomem a iniciativa de se dignificarem a si e os lugares que ocupam, temos primeiramente nós que acreditar que eles têm de ser diferentes. Se acreditarmos que eles têm de ser diferentes, eles sê-lo-ão, pois somos nós que neles votamos. Se acreditarmos que eles têm de ser diferentes não aceitaremos os seus desvarios em surdina.
Se acreditarmos, um destes dias, veremos à frente do país homens e mulheres com aquele sorriso demorado, seguro e limpo!
Podemos continuar a pensar que a política e os políticos são assim e não mudam…
Poder podemos, Mas Eu Não Faria ISso