Festival do barulho
Posso falar o que eu acho? @Selma Gören
"Penso em buscar uma panela e bater nela com uma colher de pau. Dizem que alivia o estresse. "
Num sala de espera aguardo pelo atendimento e acomodo-me numa cadeira almofadada, muito confortável, o que me deixa o espírito alegre. O tempo flui e dá-me vontade de folhear numa das revistas espalhadas em cima de uma mesinha branca e redonda. Escolha não falta.
A sala de espera encontra-se meia cheia. Perfeito para mim, porque me contento com pouca gente em salas pequenas. A sala está meia vazia, diriam os mais agitados, mais festivos. Agora sem as máscaras andamos novamente pertinho uns dos outros. Voltamos ao tempo de adivinhar o que alguns almoçaram pelo cheirinho da roupa. Lembro-me que fiz sopa de couves ao almoço.
Solto um olhar satisfeito. Cada qual ocupado com pequenos afazeres. A senhora à minha frente adormeceu e vejo o céu da boca dela.
Nesse estado de conforto divino, quase caio da cadeira com uns tiros e o cavalgar de muitos, mesmo muitos cavalos. O senhor do meu lado esquerdo olha com olhos esbugalhados o ecrã do seu telemóvel barulhento. Se os ruídos que a máquina larga fossem tinta colorida, estavam as paredes cheias de vida agora.
Do meu lado direito, uma senhora com um chapéu minúsculo em cima do seu cabelo encaracolado, saca o seu telemóvel de uma bolsinha rendilhada, nem sei descrever a rapidez das suas mãos ágeis e sintoniza um vídeo qualquer com música, escuso de o dizer, mais alta ainda.
Olho para frente. Estagnada. A senhora acabou de entrar numa competição de barulho?
O senhor aumenta o volume. A senhora não fica atrás.
Penso em buscar uma panela e bater nela com uma colher de pau. Dizem que alivia o estresse.
Somos salvos por um chamamento divino.
- Senhor António, pode entrar.
Nem sei como o homem ainda ouve com tanta vibração acústica.
Ele levanta-se. O cavalgar dos cavalos acompanha-o como uma nuvem raivosa.
A senhora sorri satisfeita. Só lhe falta uma t-shirt com as letras "Vencedora do concurso Barulho sem Fronteiras".
Retorna o silêncio, agora estranho.
Talvez veja um filme de faroeste hoje.
Selma Gören