Festival do barulho

17-05-2023

Posso falar o que eu acho? @Selma Gören
"Penso em buscar uma panela e bater nela com uma colher de pau. Dizem que alivia o estresse. "


Num sala de espera aguardo pelo atendimento e acomodo-me numa cadeira almofadada, muito confortável, o que me deixa o espírito alegre. O tempo flui e dá-me vontade de folhear numa das revistas espalhadas em cima de uma mesinha branca e redonda. Escolha não falta.

A sala de espera encontra-se meia cheia. Perfeito para mim, porque me contento com pouca gente em salas pequenas. A sala está meia vazia, diriam os mais agitados, mais festivos. Agora sem as máscaras andamos novamente pertinho uns dos outros. Voltamos ao tempo de adivinhar o que alguns almoçaram pelo cheirinho da roupa. Lembro-me que fiz sopa de couves ao almoço.

Solto um olhar satisfeito. Cada qual ocupado com pequenos afazeres. A senhora à minha frente adormeceu e vejo o céu da boca dela.

Nesse estado de conforto divino, quase caio da cadeira com uns tiros e o cavalgar de muitos, mesmo muitos cavalos. O senhor do meu lado esquerdo olha com olhos esbugalhados o ecrã do seu telemóvel barulhento. Se os ruídos que a máquina larga fossem tinta colorida, estavam as paredes cheias de vida agora.

Do meu lado direito, uma senhora com um chapéu minúsculo em cima do seu cabelo encaracolado, saca o seu telemóvel de uma bolsinha rendilhada, nem sei descrever a rapidez das suas mãos ágeis e sintoniza um vídeo qualquer com música, escuso de o dizer, mais alta ainda.

Olho para frente. Estagnada. A senhora acabou de entrar numa competição de barulho?

O senhor aumenta o volume. A senhora não fica atrás.

Penso em buscar uma panela e bater nela com uma colher de pau. Dizem que alivia o estresse.

Somos salvos por um chamamento divino.

- Senhor António, pode entrar.

Nem sei como o homem ainda ouve com tanta vibração acústica.

Ele levanta-se. O cavalgar dos cavalos acompanha-o como uma nuvem raivosa.

A senhora sorri satisfeita. Só lhe falta uma t-shirt com as letras "Vencedora do concurso Barulho sem Fronteiras".

Retorna o silêncio, agora estranho.

Talvez veja um filme de faroeste hoje.

Selma Gören


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